“Hoje é dia 05 de dezembro. Aniversário de 21 de uma das pessoas que mais amo em minha vida, minha irmã Suzi. Mas não passarei a data ao lado dela e sim, lembrando de como agora há pouco o Seu Sebastião, velhinho boa praça que chegou ontem, morrer no leito ao meu lado após mais de uma hora de esforço médico. Ele foi o segundo que vi falecer desde que fui internada no dia 30 em estado gravíssimo. Após ser jogada do quarto andar de um prédio… Mas esse texto não é sobre meu dia a dia no hospital, toda a minha dor e tudo que perderei nos dias longos que ficarei aqui. O assunto é outro.
Vamos a ele:
Uma bela noite resolvi transar com um homem que eu já havia ficado duas vezes. Senti vontade/tesão e essa é a minha única justificativa e acho que é boa o suficiente pois era algo mútuo e só dizia respeito a nós dois. Após uma longa noite, resolvi confrontar o homem por seu agir, sua fala desrespeitosa, direcionada a mim e a outras mulheres, suas ameaças e sua fala possessiva.
Não foi romântica a nossa primeira vez. Não houve uma discussão frutífera de como ele era uma arma opressora criada pelo patriarcado. Não mandei o meu recado como queria. Apenas cai da janela do quarto empurrada por ele.
Sou solteira. Fui mãe aos 17 anos. Não tenho vontade de casar. Não sou hétero. Sou negra. Desempregada. Tenho problemas psiquiátricos. Falo alto. Danço na rua. Bebo. Fumo. Gosto de sexo. Sou mulher – Se eu não soubesse que ser uma mulher com algumas ou todas essas características faz com que pessoas por aí pensem: “ Deve ter feito algo para o cara ter feito isso” “A história esta mal contada” “ Ela não é santa, deve ter merecido” esse texto não teria porque ser escrito.
Sou um número apenas. Estatisticamente falando, não represento nada. Sei que milhões de mulheres no mundo são humilhadas, oprimidas, violentadas e mortas todos os dias. Sei que ainda mais. Sei que a sociedade contraditoriamente classifica o cara que amamos, casamos, vivemos, transamos desejamos, de “criminoso passional” após ele ter se tornado nosso estuprador, violentador, opressor, assassino (ou quase assassino no meu caso), somente monta um leito confortável e longe dos holofotes para o machismo se esconder – o machismo serve ao sistema e vice-versa e o amor, esse não mata nem oprime.
Entenda a diferença:
1- Jogar qualquer ser humano da janela de um prédio constitui tentativa de homicídio
2- Jogar uma mulher com qual você homem acaba de transar da janela de um prédio, exatamente no momento em que ela joga seu machismo em sua cara e demonstra não ter medo de você na frente de outra mulher é tentativa de homicídio, sexismo, demonstração de superioridade masculina, ameaça para garotas presentes, crime de ódio.
Machismo, isso sim mata e vai continuar fazendo se não gritarmos e lutarmos por nosso simples direito de não sermos violentadas e mortas impunemente.
Autorizei e pedi que amigxs e familiares divulgassem ao máximo meu caso pois vi nele, na improbabilidade da minha sobrevivência e na monstruosidade desse crime, a chance de abrir seus olhos, mulher.
Se você também quer o direito de contestar o que te dói, se quer respeito de seus amigos e parceiros, se quer apenas igualdade, o direito de ser alguém livre e digna, saiba que você o tem desde que nasceu com garantia de que não será exterminada!
Meu direito foi tomado sem permissão e várias liberdades que tinha foram restritas por esse ato: estou presa a uma cama de hospital, com movimentos ultra limitados, fraturas de estado grave, não posso ver ou falar com meu filho, tenho que usar fraldas, após a operações – o que levará meses – carregarei sequelas para toda a vida…Mas sobrevivi e nunca mais me calarão ou poderão tentar achando que minha voz se perderá ao se encontrar com a de milhões.
Não aguarde os extremos!
Imponha-se! Se expresse!
Denuncie! Faço-os ver que não aceitaremos mais o machismo passivamente!
Que a justiça e a lei pensem na mulher!
Sobreviva e lute!
Chorei de alegria em saber que as páginas que curto, pessoas que admiro etc ajudaram o caso a se tornar público. A TV e outras mídias podem fazer suas edições, mas essa carta foi feita para mostrar minha real intenção, minhas reais alegrias e quem realmente agradeço: Quem esta comigo na luta – MACHISTAS NÃO PASSARÃO!
Confesso que não iniciei isso com otimismo ou pensando que teria uma hashtag com meu nome, mas já que assim foi, só agradeço e deixo o último recado amigo a todas as mulheres, amigas e companheiras:
– Não esperem que te lancem em queda livre, mas caso aconteça, aproveite a brisa e aprenda a voar!”