Durante a Festa dos Batuques Verdes, ocorrida no dia 14/03 no Espaço Verde, – ironicamente após um debate organizado pela Frente LGBT* discutindo sobre as dificuldades sofridas por pessoas que desafiam os próprios gêneros – fui agredida.
Sou travesti há meses e tenho medo cotidiano de ser agredida na rua. Medo de apanhar, de ser esfaqueada ou de qualquer outra forma utilizada pelo patriarcado para destruir a vida de alguém. Portanto, exceto em casos raros, só consigo me travestir na USP. Não me beneficio com essa situação: pelo contrário, minha estima é destruída. É uma questão de escolha, afinal. Ou me submeto ao risco de agressão ou uso as roupas que desejo. De uma forma ou de outra, não conseguirei me acalmar. Mas, na USP, achei que ao menos não chegariam a tocar em mim. Já ouvi coisas, mas nunca me bateram, até a data da festa, ironicamente levada adiante por mim.
Então, eu dançava. Apenas dançava. O Espaço Verde estava quase completamente vazio, exceto por algumas pessoas no CAF, pelo que me lembro. Sem motivos, sou abordada por outra mulher e tenho de ouvir: “você não é mulher”. Naturalmente, insisti na minha identidade, livre de dúvidas. Ela tornou a me questionar e, como não cedi da minha identidade, ela tentou arrancar minha saia para expor minha genitália. Fora o absurdo do ato de expor à força a genitália de alguém em público, não sou definida nem ninguém é por um pedaço do corpo. Como a agressora não conseguiu me despir, usou sua mão para descobrir qual era meu órgão sexual. Consegui me desfazer dela e corri ao CAF para chamar as amigas que lá estavam. Não ousei permanecer ao lado da agressora e ela foi expulsa da festa. Antes da expulsão, ouvimos, eu e as amigas que foram me ajudar, que eu deveria engravidar para ser mulher. Exatamente, mulher é quem está grávida ou já engravidou alguma vez na vida.
Passada a sensação de surrealismo, tornei a dançar. Afinal, tinha o Espaço Verde quase todo vazio e uma playlist escolhida minuto a minuto. Não havia oportunidade melhor para exorcizar os demônios sociais que sou obrigada a engolir. Após muito tempo, não faço ideia de quanto, fui ao CAF buscar água. A agressora estava na porta. Quando passei por ela, recebi um tapa nas costas. O barulho assustou a todos. Apenas gritei “ela me agrediu!”. Prontamente, as mesmas amigas, mulheres cis, vieram me ajudar. Elas ouviram bobagens como “advogar para os outros é coisa de burguês”. Conseguiram a expulsar novamente e, claro, a festa estava oficialmente encerrada ali.
Uma pessoa, questionadora de gênero, acompanhou toda a situação e também ficou em estado de choque, afinal essa pessoa também poderia sofrer o mesmo tipo de agressão dentro do único lugar que parecia seguro.
Se formos manter a barbárie, então seria melhor voltar à selva. Afinal, ali há apenas as leis naturais. O mais adaptado sobrevive. O menos adaptado morre, mas morre com o espírito em paz, pois essa é a lei natural. Não faz sentido sair da natureza para eliminar o processo de seleção natural apenas para manter uma vida de sofrimento e opressão das pessoas que são mal adaptadas. Ressalto que a adaptação, no meu caso e em muitos outros, é arbitrária. O grupo dominante, os tiranos, escolhem quem sofrerá rejeição, quem sofrerá julgamentos, quem viverá na barbárie social. Eu fui escolhida pelo grupo dominante, pelo patriarcado. A minha agressora foi escolhida pelo grupo dominante, pelo patriarcado. Mas minha agressora prefere o papel de tiranete do patriarcado, cuja função é aceitar a opressão para poder oprimir. Uma espécie de desejo doentio em oprimir, com força para submeter a própria dignidade ao desejo. Exemplo concreto: ao ter minha genitália na mão da agressora, a afastei de mim e perguntei: “você gostaria que alguém tentasse tirar sua roupa e passasse a mão em você?”. Ela respondeu que sim.
Ela é Débora Paula da Silva, mora no CRUSP e, segundo o Facebook, está na segunda graduação, aparentemente de Letras.
Gabriela Perini Bortoletto, estudante travesti da Filosofia.