Programa da chapa “Edson Luís”

Chapa “Edson Luís”
No dia 28 de março de 1968 a polícia assassinou, em uma manifestação, Edson Luiz, estudante secundarista que lutava contra a ditadura. Sua morte foi o estopim para um levante estudantil e operário, no qual aconteceu a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, e que só se encerrou com a instauração do AI-5, em dezembro deste ano. É em homenagem a este estudante, símbolo da luta contra a ditadura, que nomeamos nossa chapa. Mas também poderíamos chamá-la Stuart Angel, torturado e morto pela ditadura em 1971, ou Ornalino Cândido da Silva, estudante de 19 anos morto também pela polícia em uma manifestação contra o assassinato de Edson Luiz. Todos eles, além de haverem sido mortos pela ditadura, tiveram seus casos julgados por uma comissão criada pelo governo Fernando Henrique Cardoso na qual o atual reitor da USP, João Grandino Rodas, votou, em todos estes casos, pela absolvição do Estado.
É com esta compreensão e com a inspiração naqueles que, ontem, tombaram no combate ao regime militar e, hoje, são negros, pobres, operários, mulheres e terceirizados das periferias que sabem bem quais são os métodos desta “democracia dos ricos”, filha legítima da Ditadura, que seguimos adiante nessa luta para derrubar os muros, físicos ou não, que separam a USP do resto da população pobre e trabalhadora!
           
.: A USP na Ditadura Militar: a repressão a serviço de um projeto
            A partir do golpe militar de 64, o que se viu na USP foi uma profunda ligação entre a reitoria e o governo golpista. São vários os casos de membros da burocracia acadêmica da USP que também exerceram importantes cargos no governo, como Alfredo Buzaid e Gama e Silva, ambos reitores da USP que também foram ministros da justiça, sendo este último um dos mentores do AI-5. Tal grau de identificação entre a reitoria e o governo se traduzia em uma enorme intervenção do governo militar nos assuntos internos da USP.
            Essa intervenção estava ligada a todo um projeto que os militares, em aliança com empresários civis e representantes do governo dos EUA, tinham para a educação brasileira. Era um projeto que visava atrelar ao máximo a educação às necessidades da indústria e das grandes empresas do país e dos países imperialistas, retirando do ensino toda sua perspectiva de formular um pensamento crítico, e a substituindo por um aspecto puramente técnico voltado para a formação rápida e eficaz de mão de obra para o mercado. Isso tomou carne em medidas como os acordos entre o MEC e a USAID (United States Agency for International Development), formulados por técnicos norte-americanos que defendiam abertamente a privatização do ensino superior brasileiro, e que, por exemplo, retiraram do currículo escolar básico matérias “obsoletas” como Filosofia e diminuíram a carga horária de História.
            A intervenção do governo militar na USP, com o objetivo de implantar esse projeto na principal universidade do país, foi fortíssima. Se valendo de todo o aparato repressivo e do regime de exceção jurídica proporcionados pelo regime militar, a reitoria travou um acirrado combate contra todos que se colocavam como um obstáculo para o atrelamento da USP às necessidades imediatas do capitalismo internacional, gerando uma enorme lista de vítimas da repressão na USP durante esse período.
            A reitoria queria eliminar não apenas os militantes que se opunham ao seu projeto, como o caso do estudante Alexandre Vannuchi Leme, ativista do movimento estudantil que foi assassinado no DOI-CODI, mas também visava moldar ideologicamente o que era ensinado em sala de aula, nos moldes da já mencionada reformulação nacional do sistema educacional. Assim, foram expulsos da universidade figuras como Florestan Fernandes e Mario Schenberg, professores abertamente marxistas, além de constarem na primeira lista de “elementos subversivos”, elaborada pela reitoria, vários professores da Faculdade de Medicina que defendiam que as pesquisas na área de Saúde Pública tivessem mais espaço na universidade.
            Em síntese, a atuação da Ditadura na USP se resumia em repressão para avançar com o projeto de privatização. Nada mais atual!
            .: O que a “transição” deixou de herança
            A transição democrática dos anos 80 ocorreu de maneira pactuada, a partir da Lei de Anistia que garantia a impunidade a todos os responsáveis pelos crimes cometidos pelo Estado durante a Ditadura, e reservando a essas mesmas figuras um espaço no novo aparato estatal “democrático” que surgia.
Na USP, esses aspectos de continuidade entre a Ditadura e a realidade atual são também inúmeros, a começar pelo projeto de universidade privatizante, pautado pela ação das fundações privadas e das necessidades da FIESP (detentora de uma cadeira no Conselho Universitário), que permanece essencialmente o mesmo. Os reflexos desse projeto impactam especialmente os cursos sem apelo mercadológico, como os da FFLCH. A derrubada, por Rodas, do gatilho automático de reposição de professores, conquistado na greve de 2002, já começa a reverberar em nosso curso, com, por exemplo, a matéria de História Antiga contando apenas com três professores atualmente, contando no próximo ano apenas com dois. Esse é só um exemplo que mostra o sucateamento que os cursos da FFLCH sofrerão caso a reitoria consiga avançar com seu projeto.
Além disso, vários elementos evidenciam o avanço da elitização que a reitoria quer imprimir à USP, como os cursos pagos que já são ministrados, por meio de uma fundação privada ligada à FEA, os diversos alunos que enfrentam o descaso da reitoria com a falta de vagas do CRUSP e de bolsas que garantam a permanência estudantil, ou novo regimento da pós que, se aprovado, fará com que a gratuidade não seja mais obrigatória nesses cursos.
Ligam-se a isso também os ataques desferidos contra os trabalhadores da universidade, como a manutenção da demissão política do diretor do SINTUSP Claudionor Brandão, a demissão repentina de centenas de trabalhadores no começo de 2011, projetos de “avaliação” arbitrária como o PROADE, que buscam criar condições para demissão em larga escala, e o aumento da verba destinada à terceirização, regime de trabalho controlado pela máfia das empresas terceirizadas e que pagam muitas vezes menos que um salário mínimo para os trabalhadores, além de submetê-los a condições sub-humanas de trabalho.
Em 2010, tomou posse o reitor João Grandino Rodas, com o objetivo claro de minar essa resistência e avançar definitivamente com o projeto do governo para a USP. Expressão máxima desse objetivo pudemos ver ano passado, com uma operação de guerra montada pela Tropa de Choque para dissolver a ocupação da Reitoria que foi análoga à invasão do CRUSP pelo exército em 68, e com os processos movidos contra ativistas estudantes e trabalhadores, visando eliminá-los do corpo discente e de servidores da USP.
            Esses processos demonstram como não só o conteúdo do projeto de universidade é o mesmo da Ditadura, mas que também alguns mecanismos repressivos daquele período são revividos por Rodas. Os atuais processos contra estudantes e trabalhadores foram movidos com base em trechos do Regimento da USP decretados em 72, no auge do vigor do AI-5, e relembram muito os métodos usados pela Ditadura, já que a reitoria é quem acusa, quem julga e quem aplica a pena. Caso essas expulsões se efetivem sem uma resistência à altura do movimento estudantil, será um ataque da reitoria como há muito não se via, abrindo um precedente seríssimo para a eliminação de toda forma de resistência dentro da USP. Para lutarmos contra a ditadura do passado e do presente é necessária uma grande campanha militante contra as expulsões e demissões, que questione esta estrutura anti-democrática da universidade e que investigue as ligações entre o poder na USP e a ditadura militar através da instauração de uma comissão da verdade com autonomia em relação à reitoria.
            .: A compreensão do passado a serviço da luta do presente
            A primeira tarefa que temos é construir uma grande campanha em defesa dos estudantes processados e do SINTUSP, barrando esse enorme ataque que pode significar um grande retrocesso para o movimento estudantil e de trabalhadores. Para combater a repressão e continuar a luta pela democratização da nossa universidade, reivindicamos os métodos de luta dos estudantes, em aliança com os trabalhadores.
Ano passado tivemos um grande exemplo dessa aliança, quando 400 trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas da limpeza entraram em greve por estarem com os salários atrasados, e conseguiram conquistar o pagamento depois de semanas de luta em aliança com os estudantes e o SINTUSP. Nos orgulhamos de termos estado lado a lado daqueles trabalhadores e trabalhadoras nessa luta, lutando pelaefetivação dos terceirizados e terceirizadas sem necessidade de concurso público, e lembrando que depois de formados muitos seremos professores, uma das categorias que mais sofre com a precarização dos postos de trabalho atualmente.
             O fato da grande maioria daquelas trabalhadoras serem mulheres e negras evidenciou a opressão velada tão presente em todos os aspectos da nossa sociedade. O ambiente universitário não está livre disso, muito pelo contrário, como vemos no conteúdo machista que existe por trás de boa parte das festas que ocorrem no campus, sendo necessário um movimento estudantil que lute cotidianamente contra o racismo, o machismo, a homofobia e toda forma de opressão presente em nossa sociedade.
            Os estudantes da USP deram um grande exemplo ano passado, fazendo uma massiva greve contra a presença da PM dentro do campus. Mesmo com toda a campanha reacionária da grande mídia, conseguimos fazer atos de rua com milhares de pessoas, além de ter conseguido colocar em evidência o debate a respeito da brutalidade da PM, sentida cotidianamente pelos jovens pobres e negros das periferias do país. Reivindicamos essa luta, e nos orgulhamos de ter defendido medidas que a fizeram avançar – muitas vezes contra os setores que têm se alternado nas gestões do DCE, e que impulsionam outras chapas nessas eleições. Um exemplo foi o comando de greve com delegados votados proporcionalmente nas assembleias de curso, importante instrumento de auto-organização que permite que a luta seja dirigida democraticamente pela base dos cursos. Reivindicamos essa experiência, e defendemos que ela seja retomada e aprimorada pelo movimento estudantil da USP.
Defendemos também uma estrutura mais democrática de organização das entidades estudantis, hoje com gestões majoritárias, nas quais a chapa que tem mais votos assume a gestão sozinha. Defendemos que elas se organizem com gestões proporcionais, com todas as posições políticas do curso, expressas nas chapas, assumindo a gestão proporcionalmente ao número de votos que obtiverem. Assim a entidade cumprirá seu papel de impulsionar os debates da base dos cursos e ser um importante instrumento de auto-organização.
Dentro da USP precisamos colocar como uma de nossas lutas centrais a derrubada da antidemocrática estrutura de poder e do regimento herdados da Ditadura, lutando por uma estatuinte livre e soberana, com representação proporcional dos três setores da universidade, imposta pela mobilização e sem a burocracia acadêmica, que elabore um novo estatuto com o objetivo de discutir todos os problemas, as prioridades e os objetivos, e, assim, dar à USP o caráter social que uma universidade tem que ter, colocando-a a serviço da maioria da população e criando uma estrutura de gestão democrática dos três setores, proporcionalmente, com o fim da Reitoria e do Conselho Universitário, minando, assim, as bases da repressão e da privatização.
Juntamente a isto, é necessário democratizar o acesso e o conhecimento produzido na universidade, lutando pelo fim do vestibular, só possível com a estatização dos grandes monopólios do ensino privado, e pela produção de um conhecimento na universidade que esteja a serviço dos trabalhadores e do povo pobre. Contra os muros da USP elitista, é preciso que se derrubem as barreiras à população pobre e trabalhadora!