Programa da chapa “Nós da História”

O perfil do aluno de história é, em sua maioria, um perfil crítico em relação à sociedade, suas contradições e seus rumos. Conhecendo os alunos, vemos que existe bastante disposição em tomar parte em ações coletivas, e que inclusive o fazem por diversas vias – conhecemos gente que participa de grupos de extensão, de discussão, que dá aula em cursinhos comunitários ou mesmo ativistas em outras áreas. Mas não o fazem no curso de história, não pelo Cahis. Aqui existe um afastamento grande entre o Centro Acadêmico, que deveria ser o espaço onde toda essa disposição e diversidade de ideias confluíssem para algo frutífero, e a maioria dos estudantes. Mas por que isto acontece?

Para além da cultura de apatia e individualismo dominante em nossa sociedade, há outros problemas no meio de tudo isso – problemas não raro internos ao próprio movimento e que este muitas vezes não consegue enxergar. Existem alguns nós  a serem desatados aí…

É por acreditarmos ser possível inverter essa situação que os integrantes da chapa Nós da História se propõem a fazer movimento e a construir nossa entidade representativa. Claro, nada será muito fácil, irá requerer um esforço coletivo –de dentro e fora da gestão eleita– que não será de curto prazo. Nosso intuito ao participar desta eleição é, antes de tudo, colocar na roda as ideias que pensamos coletivamente sobre como achamos que o Cahis deve ser feito – mais representativo e menos afastado dos estudantes, e dessa forma colaborar para que ele se torne algo mais próximo do que achamos que deveria ser. Pensamos que a eleição do CA pode ser importantíssima para que de fato avancemos: sendo um momento privilegiado de autoavaliação, do qual participam necessariamente muitos estudantes (para além dos que já estão cotidianamente no movimento), devemos usá-lo para que possamos enxergar nossos problemas, nos autocriticar e propor novas formas de fazer.

Sem um Centro Acadêmico que tenha como prioridade

 se aproximar dos estudantes não se faz política!

A vida universitária deveria ser um espaço de convencimento dos jovens que aqui ingressam a tomarem parte na política de onde estão presentes. Muitas vezes, entretanto, é o contrário o que ocorre – nosso movimento estudantil e os problemas que o afastam dos demais estudantes parecem insistir: “saia da política pois aqui nada faz sentido, só há disputas e picuinhas para ver quem é mais revolucionário que o outro”. Essa é uma caracterização simplista mas que reflete problemas reais do movimento estudantil na USP, problemas dos quais o Cahis, imerso nele, naturalmente também não escapa.

Existe uma crise de representatividade do nosso centro acadêmico. A falta de uma construção cotidiana que permita que os estudantes tomem parte na construção de um espaço coletivo do curso (como um jornal onde todos possam enviar textos, por exemplo), soma-se a alguns problemas sérios, como o uso da gestão e do Cahis como espaços de disputa interna entre grupos e partidos para colocar a sua política (de cima para baixo); uma postura muitas vezes autoproclamatória, com membros do movimento ou da gestão colocando-se como “mais de luta” que os demais estudantes; a confusão passada aos estudantes entre o onde terminam as pautas do partido ou grupo que está na gestão e onde começa o centro acadêmico… E outras práticas deste tipo, que fazem com que o estudante não se identifique naquilo que deveria ser sua entidade representativa. E não são os estudantes que não procuram se sentir representados pelo seu CA, é o CA que não se faz representativo.

Isso tem sido um empecilho para que nossa entidade cumpra a função que acreditamos que deve cumprir: mais do que “organizar” os estudantes, o Cahis deve representá-los, deve fazer movimento junto com eles. Os estudantes devem se sentir representados por seu CA. E para isso muitas lógicas devem ser invertidas: devemos mudar o fazer política de cima para baixo para o de baixo para cima. Em vez de chegar para os estudantes com todas as repostas prontas para “organizá-los” na luta, devemos privilegiar a construção política a partir do diálogo de fato – ou seja, também a partir deles. Em vez de à frente dos estudantes, devemos nos colocar ao lado deles na construção cotidiana, colocando as nossas propostas e opiniões em pé de igualdade. Em vez de impor nosso programa para que os estudantes nos sigam, devemos construí-lo junto deles. É dessa forma que estaremos sendo de fato representativos, para além das eleições. Não devemos ter medo de nos abrir ao diálogo – e nem fazer política a partir do diálogo.

Sem fazermos essa inversão, estaremos sem querer reforçando a ideia de que o processo eleitoral só existe para limitar a participação dos estudantes ao próprio processo eleitoral. Ou seja, para que eles fiquempassivos no resto do ano, servindo portanto para limitar sua participação na política do curso, quando na verdade ela serve para ampliar a participação. Mas para isso a representatividade não pode se encerrar na eleição, tem que ser efetivada pelo CA no dia-a-dia.

Para que o corpo estudantil se sinta representado (ou melhor, para que o Cahis se faça representativo), não basta por exemplo que suas reuniões semanais sejam abertas, e que assim só tenhamos que esperar que os estudantes venham até nós: de nada adianta termos uma forma aberta se o nosso conteúdo, a nossa prática e a nossa lógica de fazer política também não forem abertas. Parece um problema óbvio, mas quenão temos conseguido enfrentar na prática: certas práticas, como a autoconstrução de seu grupo acima de tudo e à frente da entidade, a postura de autoproclamação (“eu sou mais de luta do que você”) etc, contribuem para que os estudantes não se enxergam em sua entidade, não enxergam que naquilo há alguma coisa sua, ou pelo menos que esteja aberta a uma contribuição sua. Enquanto essas práticas continuarem presentes, o Cahis continuará não se fazendo representativo para a maioria dos estudantes.

Ressaltamos que fazer a crítica ao movimento estudantil não significa reduzi-lo, diminuí-lo. A crítica e a percepção de erros que se repetem são essenciais para que os progressos mais decisivos possam se concretizar. Assim, não procuramos nos construir a partir da crítica, da negação. Mas elas são invariavelmente necessárias para a proposição do novo, são o ponto de partida para que consigamos desatar os nós que nos prendem.

Além de combatermos esses problemas como ponto de partida para a inversão necessária do fazer políticadominante no nosso curso, também é necessário trabalhar o contato do CA com o corpo discente. Isso deve se dar através das mais variadas atividades, sejam elas acadêmicas, políticas ou culturais. Este contato deve ir além dos espaços ordinários de discussão dos problemas do curso.

Devemos buscar criar, junto aos estudantes, espaços que dialoguem com seus interesses. Exemplos de possibilidades não faltam: cine-debates temáticos, saraus como o realizado em outubro do ano passado, espaços de debate acadêmico ou um grupo de estudos sobre a estrutura da universidade – pois é preciso que a conheçamos com propriedade para criticá-la, superar a mera reatividade em que caímos e formular propostas. Também devemos buscar fazer atividades com os demais grupos estudantis já organizados: por exemplo, com a bateria Manda-Chuva da FFLCH, organizar campeonatos de ping-pong no espaço aquário com a Atéltica ou um debate com a Rádeo Várzea. Na verdade, iniciativas nesse sentido sempre existiram, mas o que é preciso é que esse espírito de trazer os estudantes à vivência e ao contato com o CA se torne a tônica da gestão do Cahis.

Junto a isso (e não se opondo), o Centro Acadêmico é um espaço em que se pensa, se discute e se faz política, seja a política do seu próprio curso, da Universidade ou do país. Talvez o exemplo mais forte tenha sido durante a ditadura civil-militar, quando os CA’s foram um importante foco de resistência ao regime. Não à toa foram fechados e proibidos de existir legalmente durante vários anos.

O que estamos chamando atenção então é para a integração entre os estudantes de história e destes com o seu centro acadêmico, pois sem isso pouco conseguiremos fazer enquanto estudantes em movimento. Sabemos que resolver esse problema vai muito além de uma questão de forma, ou seja, de criarmos espaços x ou y, e que pressupõe toda uma mudança no fazer movimento predominante hoje para que este procure se aproximar dos estudantes. E sabemos que isso não é uma mudança simples. Mas achamos que ela é necessária, e que uma gestão do Cahis tem muitas condições de cobribuir para isso. Pois sem uma base consolidada, sem que o movimento se torne um aglutinador em vez de um repelidor (e achamos que há interesse -inclusive político- por parte dos alunos para isso), não teremos um CA de fato dos e para os estudantes. Não teremos coesão para construir um movimento estudantil de fato da maioria e teremos dificuldade para conquistar qualquer reivindicação. Sem um CA que se aproxime dos estudantes não se faz política!

 

Porque achamos importante participar do movimento estudantil

e lutar por uma Universidade Popular

A USP é uma universidade que produz boa parte da dita elite intelectual do país, gente que provavelmente terá influência em algum espaço onde for atuar enquanto profissional depois de foramdo – no nosso caso, enquanto professores e historiadores. Fará diferença para a sociedade o que as pessoas que sairão daqui pensam e qual é a sua postura perante o mundo. Achamos importante que os estudantes tenham uma visão crítica e uma postura ativa em relação à sociedade, daí a importância de que o movimento estudantil se empenhe em dialogar com o conjunto dos estudantes, que fale sua língua.

Ao mesmo tempo, a universidade em si também é uma instituição-chave dessa sociedade. Muitas vezes temos a impressão de estarmos numa “bolha” que isola tudo o que aqui ocorre do mundo exterior. Mas isso também não deixa de ser parte de um projeto de universidade que vem de cima – e portanto ela está na verdade intimamente ligada ao que ocorre no “mundo real”. Assim, se temos uma sociedade desigual, temos que quem entra aqui é uma minoria privilegiada – são os filhos da elite e da classe média, com exceções. Se cada vez mais o mercado dita as regras da sociedade, vemos que o ensino, os currículos e a produção da ciência estão cada vez mais subordinados aos interesses do mercado. Ou seja, o que ocorre aqui (inclusive seu isolamento) está sim em consonância com o que ocorre lá fora. É o projeto de sociedade hegemônico o que determina os moldes do projeto de universidade. É quem está no poder. Por isso luta-se tanto pela autonomia universitária – para que outras ideias de universidade, que não a estabelecida no governo naquele momento, possam contribuir para sua construção. Através da autonomia universitária pode-se lutar para que a universidade, enquanto espaço de produção da ciência e reflexão sobre a realidade, contribua para as necessárias transformações sociais de que carecemos. É por isso que em SP, onde temos uma elite historicamente bem consolidada no poder (e também em tempo histórico, com nossos 20 anos de PSDB), a autonomia universitária é tão desrespeitada.

Por isso a USP parece querer se tornar cada vez mais uma universidade excludente e desigual, voltada para a lógica do mercado e do grande capital em vez das necessidades humanas mais urgentes de nosso povo. Um papel que devemos cumprir enquanto estudantes em movimento é o de lutar por uma universidade que, na contramão do que tem ocorrido, se volte aos interesses do povo. E devemos buscar fazê-lo junto aos mais interessados nessa mudança: o povo que não está aqui, os movimentos sociais organizados. Devemos lutar por uma Universidade Popular!

Mas para que consigamos influir nesses dois aspectos centrais (o pensamento hegemônico da futura “elite intelectual” e os rumos da universidade enquanto instituição-chave da sociedade) é preciso melhorarmos bastante algumas coisas. Um papel fundamental que devemos cumprir e no qual temos pecado muito é dialogar com o corpo estudantil. É papel de um movimento inteligente e organizado conseguir se integrar e dialogar com o conjunto de sua base, e sem isso pouco conseguiremos.

Movimento Nacional de Estudantes de História???

Um importante espaço que julgamos que o Cahis deve construir é a Femeh (Federação do Movimento Estudantil de História), entidade de articulação nacional dos estudantes de história. É através dela que são realizados os encontros nacionais e regionais (ENEH e EREH), bem como algumas pautas pertinentes a nós, futuros historiadores, como a Campanha pela Abertura dos Arquivos da Ditadura. Organizados, somos capazes de influir em questões de grande relevância para a sociedade brasileira – um povo alienado de sua memória é alienado também do próprio destino.

O fortalecimento dos espaços como o ENEH e o EREH também são de grande importância para que haja vida e troca entre estudantes de história de diferentes universidades do país, e a existência dessa vida só pode ser vantajosa para nós, pois sem nos conhecermos e sem que haja troca não se faz nada em coletivo. Por esses motivos, mas sem arrogar nenhuma exclusividade para nossa chapa, achamos de grande importância o fortalecimento da Femeh e de seus espaços.

Permanência Estudantil

Um debate que precisa ser fomentado pela entidade é sobre acesso e permanência na Universidade, que diz diretamente a respeito à universalização do ensino superior no Brasil. Partindo do principio que todos e todas têm direito ao ensino completo por ser necessário a formação individual, para garantir a igualdade de oportunidade e para construir a sociedade que desejamos, e que de modo geral esta não tem sido a realidade que presenciamos, nós universitários não devemos nos furtar dessa discussão e lutar para reverter esse quadro. Essa é uma pauta antiga do movimento estudantil, porém não tem alcançado muitos resultados concretos.

Dentro da pauta de garantia de acesso, o vestibular é um elemento sintomático num contexto de ensino fundamental e médio público sucateado. Surge numa lógica de meritocracia, em outras palavras, a pessoa precisa merecer seu ingresso no ensino superior. Esse é o discurso de seus defensores e o senso comum. A lógica que funciona por trás é a de um filtro social que exclui a maior parte da população. Alguns setores do movimento estudantil têm defendido como resolução deste problema o fim imediato do vestibular, entretanto o debate é muito mais profundo e são necessárias pautas mais propositivas obtidas pelo acumulo de discussão, como a implementação de cotas sociais ou raciais.

Para além do acesso, entretanto, uma questão que tem sido negligenciada e que é básica para garantir a universalização do ensino é a permanência estudantil. O índice de evasão na USP é um dos maiores do país, e isso decorre também pelas dificuldades enfrentadas pelos estudantes de baixa renda em se manter na faculdade. Não podemos esquecer que nossa Universidade se encontra em um bairro de classe alta, onde os aluguéis têm sabor salgado para os bolsos mais humildes. Além disso, nos confrontamos no dia a dia com outras despesas inevitáveis: refeições, xerox, livros e etc. Frente a tudo isso a Universidade deveria oferecer apoio a esses estudantes, porém vemos que estamos longe de atender a demanda. Embora paulatinamente (mais do que desejaríamos) as camadas mais baixas tenham conseguido entrar no ensino superior público, ao que tudo indica a administração universitária ainda não notou isso: o aumento de bolsas de auxílio e vagas no Conjunto Residencial da USP (CRUSP) não chegou nem perto de suprir a demanda. Quando se trata de moradia, a situação torna-se ainda mais grave: o processo seletivo realizado é altamente contestável e obscuro, os prédios em sua maioria estão sucateados e na contramão do óbvio, a Superintendência de Assistência Social (SAS) tem preferido investir em um auxílio financeiro irrisório do que na expansão de vagas presenciais.

Como proposta, a chapa Nós da História propõe um esforço em conjunto com as entidades que mais se engajam nessa discussão, a Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP) e o Núcleo de Consciência Negra (NCN). Ao lado dessas entidades, nossa intenção é construir um movimento amplo e propositivo em torno da questão do acesso e da permanência.

Reciclagem no Prédio

As questões cotidianas, que dizem respeito imediato a todos nós, frequentadores do prédio de História e Geografia e, em última instância, a todos os seres do planeta, encarando uma perspectiva global, devem ser encaradas com seriedade e fomentadas com responsabilidade pelo Centro Acadêmico. Achamos que o CA pode contribuir para a questão da manutenção do ambiente em nosso prédio, visto que o que queremos é um C.A. cada vez mais atuante nas questões mais práticas da vida estudantil e de toda a sociedade.

Produzimos bastante lixo no nosso prédio e julgamos importante que se discuta essa questão. No ano passado, vimos que foram instaladas nas dependências do prédio diversas lixeiras de coleta seletiva, mas o que percebemos é que até então a seleção do lixo não acontece. Isso pode ser mudado rapidamente, com um tratamento bastante simples dedicado a essa questão que nos atinge mais diretamente.

Mas além disso o fomento desse debate tem grande relevância para a sociedade. Por exemplo, o papel dos catadores de lixo nos centros urbanos e os interesses das empresas que estão por trás, já que sabemos que uma porcentagem ínfima do lixo do brasileiro é reciclado – só a realmente lucrativa (basicamente de alumínio, cujo processo de reciclagem sai mais barato que a extração-produção).

Sobre esse assunto que nos toca imediatamente, pensamos que houve ausência de diálogo com os frequentadores do prédio sobre a manutenção da seleção do lixo produzido. Também achamos que deveria ser discutido algo como uma parceria com os coletores que frequentam o prédio para recolher latinhas – e que, com a blindagem que a USP vem passando, misteriosamente passamos a não ver mais. Não basta esperar que a mudança venha de um momento para outro, precisamos de um amplo debate de conscientização com as pessoas, que passarão a ser também agentes de mudanças.

Essa e outras questões são colocadas em voga por nós, que buscamos iniciativas como coleta diferenciada do papel; disponibilização na entrada principal dos prédios de coletores de pilhas, bateria e baterias de celulares usadas; debate com todos os alunos, funcionários e professores sobre a importância destas e outras questões ambientais que tocam a todos e diz respeito ao destino de todos; junto com a reciclagem debater o papel dos catadores.

Componentes  inscritos  na  “Nós  da  História”:

Arthur Major Souza “Tutui” – 2º ano

Igor Muraro – 2º ano

Rafael Dias Scarelli – 2º ano

Sabrina Ferrazoni – 2º ano

Breno Pacheco Ribeiro – 4º ano