Carta do Comando de Greve Unificado da História e Geografia

Carta lida durante a plenária departamental da FFLCH de 29out13

Caros professores, alunos e funcionários,

Tendo em vista a carta aberta assinada por mais de cem docentes da FFLCH, entendemos que se abre um novo espaço para o debate. Deste modo, reiteramos que os estudantes estiveram e ainda estão dispostos ao diálogo, que não foi quebrado ou impedido pelos piquetes.Haja vista as sucessivas recusas da reitoria e do Conselho Universitário em receber nossas propostas e as ressalvas em negociar com os estudantes, mesmo após a determinação da Justiça. Transcrevemos a seguir algumas considerações.

O ponto de maior alarme dos professores em relação às recentes manifestações aparece como os piquetes e os cadeiraços. Nos ater aos efeitos e tratá-los como causa nos impede, porém, de acessar a verdadeira raiz do problema. Os piquetes são apenas a manifestação material do que acontece em nossas salas de aula. O debate político, via de regra, é deixado em segundo plano, e nossas atenções se voltam ao conteúdo das aulas, às provas, trabalhos, seminários, etc. Ainda que alguns professores se esforcem para manter o debate e o diálogo, muitas vezes isso não é possível; não apenas por uma escolha política ou ideológica, mas também devido à própria estrutura universitária tal como está. Com as salas de aula lotadas, fica difícil se criar um laço entre alunos e professores tal como aquele que é recordado pelos membros mais antigos da casa, que tiveram o privilégio de poder ter os professores não apenas como transmissores de conhecimento, mas como verdadeiros colegas de área. O conhecimento já foi a ponte que unia os dois pólos – alunos e professores – e não a barreira entre eles. Porém, quando limitamos o conhecimento à sala de aula, acabamos reduzindo a universidade a trabalho e estudo, conforme apontado pela carta dos docentes. Esquecemo-nos, assim, do real propósito da universidade, bem como da formação como algo além do mero acúmulo de conteúdo. Segundo o MEC, “As universidades se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. São instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano (…)”.

Quando nos limitamos a definir nosso cotidiano como de “trabalho e estudo”, nos esquecemos das demais possibilidades de formação que a universidade nos oferece. Quando as salas de aula deixam de ser um espaço possível, abre-se a possibilidade de pensar a universidade em todos os seus demais aspectos. Com o deslocamento do espaço que permite a definição dos papéis de aluno e professor – posto que, antes de tudo, esta é uma definição relacional entre os dois pólos e que acaba se limitando pelo espaço da sala de aula – somos obrigados a rever nossos papéis para além do cotidiano. Somos estimulados a pensar a universidade para além das tensões entre alunos, professores e funcionários, pois, para além disso somos todos membros de uma mesma comunidade.

Deste modo, nosso convívio não pode se limitar à preservação da “liberdade de cada um”. Ademais, numa universidade que, apesar de pública, restringe o acesso através de seus muros como a USP, nos parece primordial apontar que quem primeiro fere os direitos de livre acesso são os portões e a FUVEST, e não, os piquetes. O direito de ir e vir é desrespeitado diariamente em nossa universidade e isso se dá também em virtude de sua estrutura de poder. Sentimos que não é possível se calar diante dessa estrutura desigual e injusta. É certo, contudo, que não é agradável o recurso a métodos ditos coercitivos e autoritários, nem da parte dos estudantes nem da parte dos professores. Assim, apontamos que a atitude de parte dos docentes que visavam coagir os alunos a saírem da greve através da ameaça de perda do semestre é lastimável e provoca uma desconfiança que se apresenta como um entrave ao pleno diálogo. É fundamental nos colocarmos não como aglomerado de indivíduos, e sim uma verdadeira comunidade. Para isso, devemos ir além de nossas aflições individuais, e pensar a universidade e a sociedade como um todo. Deste modo, nossas funções cotidianas podem ser prejudicadas, mas entendemos que esta é a única resposta possível dentro de um contexto de crise.

As crises são momentos de explicitação das tensões, nas quais só há duas respostas possíveis: ou voltamos à normalidade, ou rompemos de uma vez por todas com o sistema em questão e construímos algo novo. Tal como foi reconhecido pelos professores, as atuais estruturas de poder da USP são pouco permeáveis. Deste modo, voltar à normalidade seria ser conivente com esta estrutura tão pouco democrática e que impede tanto o diálogo da comunidade uspiana entre si, como o acesso da comunidade do entorno a este espaço. Nos resta, assim, a mudança.

Encerramos nossa carta com um convite e uma pergunta. Tendo em vista o próprio reconhecimento dos docentes do movimento político discente como legítimo, convidamos os interessados no diálogo a participar de nossos fóruns deliberativos para que se reiterem as manifestações políticas como atitudes da maioria. Por fim, questionamos se todo o debate que tem se desenrolado – tão profícuo não apenas para a nossa formação como historiadores e geógrafos, mas também como cidadãos críticos – estaria acontecendo se não houvesse greve e piquete.

Comando de Greve Unificado Geografia e História